A polêmica foi instaurada na Vila Leopoldina, bairro da zona oeste da capital paulista: um megaempreendimento residencial formado por duas torres com quatro dormitórios, varanda gourmet, churrasqueira e tamanhos que variam entre 140 e 173 metros quadrados é vizinho a um terreno baldio de aproximadamente 30 mil metros quadrados demarcado pelo novo Plano Diretor de São Paulo como Zona Espacial de Interesse Social (Zeis). A região em questão, ao que tudo indica, poderá abrigar realidades sociais distintas em espaços contíguos, pois enquanto o referido empreendimento dispõe de apartamentos luxuosos que custam até R$ 3 milhões, a Prefeitura de São Paulo, por sua vez, tem como objetivo destinar o terreno adjacente à construção de habitações populares.

Segundo reportagens publicadas recentemente pela Folha de São Paulo e pelo El País, os moradores de renda alta da Vila Leopoldina têm se mobilizado para vetar a mudança de vizinhos pobres para a região, supostamente por temor à “mistura de classes”. Ambos os meios de comunicação entrevistaram os residentes locais sobre a proposta, que foi rejeitada quase que por unanimidade sob os argumentos de que os índices de criminalidade poderiam subir vertiginosamente com a implantação de moradia popular na vizinhança, além da desvalorização dos imóveis no entorno. Outros, contudo, alegam que o terreno em questão, localizado no número 928 da Avenida Imperatriz Leopoldina, funcionava como garagem de ônibus e que, portanto, o solo estaria contaminado pelo óleo dos ônibus que estacionavam ali.

– A questão não é que o bairro não quer moradia popular, isso seria uma coisa higienista. O que a gente quer é deixar claro que aquilo é um terreno contaminado e que isso pode acabar adoecendo os moradores – explica Rafael Bernardes, diretor de planejamento da Associação de Moradores da Vila Leopoldina, em entrevista ao El País, em abril deste ano.

Fernando de Mello Franco, secretário municipal de Desenvolvimento Social de São Paulo, afirmou à Folha que a demarcação de Zeis através do Plano Diretor é uma questão de equidade social, pois “São Paulo é muito segregada social e territorialmente”. Já para Nabil Bonduki, urbanista e atual secretário municipal de Cultura da capital paulista, aquele “é um terreno municipal, subutilizado, num local que precisa de habitação popular. Não vejo motivos para a mudança, fora o preconceito”, declarou ao El País.

Segundo o e-book São Paulo: transformações na ordem urbana, lançado neste mês pelo INCT Observatório das Metrópoles, a Vila Leopoldina é um dos dez distritos que no período de uma década passou de categoria Média para Superior referente ao perfil de distribuição de suas unidades residenciais. Os dados, apresentados pelas pesquisadoras Ângela Luppi Barbon, Camila D’Ottaviano e Suzana Pasternak no capítulo “São Paulo 2000-2010: Habitação e mercado imobiliário”, mostram que essas zonas que se elitizaram (entre elas, Lapa, Butantã, Tatuapé, Barra Funda, entre outras) estão concentradas nas circunvizinhanças das áreas já tradicionalmente de categoria Superior como as do Centro Expandido, fundamentando, desse modo, o modelo centro-periferia peculiar às metrópoles brasileiras e a defesa de Fernando de Mello Franco sobre a necessidade de se demarcar Zeis como políticas de integração social.

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Os 10 distritos paulistanos que passaram de categoria Média para Superior entre 2000 e 2010: concentração no entorno do Centro Expandido (núcleo) – Reprodução Observatório das Metrópoles

No entanto, tentativas como essa de alocação de classes sociais mais baixas nas áreas mais bem infraestruturadas da capital não são novatas. Barbon, D’Ottaviano e Pasternak comentam que no período de 2001 a 2004, durante a gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT), tentou-se destacar a área central como local de moradia para pobres mediante o Programa de Recuperação Integrada (PRI) e o Plano Diretor Municipal de 2002. Contudo, o programa não teve o êxito esperado, deslocando parcialmente o foco da política habitacional naquela época para o Programa Bairro Legal, que interveio com ações integradas de urbanização e moradia, mas em bairros predominantemente periféricos.

Na gestão municipal consecutiva, de Gilberto Kassab (PSDB), entre 2006 e 2013, o repovoamento do núcleo pela população de baixa renda foi definitivamente deixado de lado, muito embora programas de regularização e de titulação de imóveis, assim como intervenções de reurbanização de favelas, entre elas as notáveis Heliópolis e Paraisópolis, nas zonas sudeste e oeste, tiveram continuidade, segundo as autoras. Somente na gestão atual, de Fernando Haddad (PT), que uma nova lei de zoneamento foi sancionada a favor de habitações populares em bairros nobres da capital paulista, aumentando em 117% o número de terrenos para tal fim, e aprovada sob forte pressão de lideranças sociais como a do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), em junho de 2014.

Enquanto o terreno ocioso da Vila Leopoldina não tem seu destino definido, os moradores da região sugerem que a área deveria abrigar um parque, uma biblioteca pública, um jardim ou até mesmo um shopping center. O projeto de habitação popular, conforme mostrou a Folha e El País, para eles, não condiz com o perfil de renda alta do emergente bairro, mesmo que contraditoriamente tenham condenado sua utilização para fins sociais de habitação por riscos de contaminação, jogando luz, desse modo, sobre os desafios do planejamento urbano mais equânime e menos segregado nas nossas cidades.

Por Pedro Paulo Bastos – pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles (Rio de Janeiro)

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